


MUIRAQUITÃ

Desde menino, sempre gostei de observar de minha janela o fluxo rotineiro das ruas: o tráfico frenético dos carros, pessoas deslocando-se apressadinhas para o seu trabalho e aquelas conversas banais de bêbados no bar do Pereira. Era umas oito horas da noite e eu, como de costume, sentei em minha poltrona e me pus a assistir daquela janela ao movimento da avenida. De repente, vejo um figura disforme caminhando em direção à lixeira de uma casa, revirava, rasgava os sacos sem nada examinar, até que achou um resto de carcaça e engoliu aquele prêmio com voracidade. A imagem se aproximava cada vez mais, agora com companheiros que repetiam o mesmo gesto de sobrevivência. Pobres cãezinhos! Tão raquíticos e entregues a esse mundo sem ninguém para lhes dar amor. Depois dos bichos remexerem toda aquela imundice, seguiram para o barzinho, lamberam as migalhas que restavam no chão e com olhares esperançosos pediam apenas um punhado de alimento. Solicitação frustrada! Imediatamente Pereira os expulsou, levantando a mão como se lhes fosse dar uma bofetada: -Saiam! O bando fugiu intimidado e provavelmente vagaram, naquela noite, moribundos atrás de um lugar em que pudessem ao menos descansar. Acordo com uns ruídos que vêm diretamente da rua e ao olhar da janela o ocorrido, defronto-me com uma criança franzina, suja, deitada no meio da pista, com uma poça de sangue a sua volta. Atordoado com a visão me dirijo ao local:
-O que passou aqui?
-Este pequeno mendigo estava contando uns trocados, uma moedinha rolou para o meio da rua e para o seu azar um carro passara no mesmo instante em que estava prestes a coletar a sua última esperança.