top of page

A Notícia

Então o vento
lá dentro da serra,
onde apenas havia
o barulho insensato
das coisas sem nome
começou a bater
a bater rataplã
no tambor da manhã.

Então os ecos
saíram das grutas
levando a notícia
por todos os lados.

Então as palmeiras
ao fogo do dia,
em verde tumulto,
pareciam marchar
carregando bandeiras.

Depois veio a Noite
e os morros soturnos
levavam estrelas
por vales e rochas
como uma silente
corrida de tochas...

A Canção do Monjolo

O arco-íris já se pôs debruçado no morro
como um fantasma, sete cores na cabeça,
contando histórias pela boca do trovão...
O monjolo, a bater na encosta do grotão,
soca o pilão.

Passa correndo por um vão de serra braba
a sucuri de rabo azul que é o ribeirão.
Os ecos em redor ficam de boca aberta
e fazem o sinal da cruz por todo o boqueirão.
Tenho a doida ilusão de que todos os ecos
e o próprio arco-íris que casou com a solidão
estão pasmados de chapéu na mão.

O monjolo, a bater na encosta do grotão,
soca-pilão, soca-pilão.

Meu pangaré trotão de olhos azuis como turquesas
põe-se a cismar na tarde roxa e quer parar
antes do tempo,
quando lhe dou a rédea a subir o grotão:
é a eterna música do pilão
que está batendo como um coração...

A minha namorada, uma trigueira
de treze anos em flor, lábios cor de pinhão,
vai buscar a canjica loura que ele soca
e pára a ouvi-lo junto às águas da barroca,
como a um relógio de repetição.
E fica-lhe no ouvido a música que ele toca,
socapilão, socapilão!

A enxada brilha nas tigueras do espigão.
O lavrador que anda a estalar duas espigas
vai arrancar cruas mandiocas cor de terra
ao roxo terra que anda roxo pelo chão.
Os cafeeiros qual soldados muito verdes
marcham de dois, de dois em dois contra o sertão.
A enxada brilha nas tigueras do espigão...
Sooooooooóóóca-pilão!

Amor de Caboclo

O caboclo na sua choupana,
à hora em que a tarde desmaia vestida de chita
está pensando naquela estrangeira bonita
que viu apanhando café na fazenda.
(Os grãos de café debulhados
pareciam rubis e esmeraldas redondas
caindo em balaios dourados)

Um par de bois vagarosos rodeia rodeia
fazendo rodar os cilindros da moenda
uns agarrados aos outros
por dentes rombudos de pau.

Passa gritando no céu sertanejo
o último pica-pau.

“Ela não é brasileira...
Ela veio outro dia
trazendo goiabas maduras
na cesta dourada.

Ela parece de tão estrangeira
uma formiga ruiva.
Mas poe ela (ele pensa)
eu era capaz de fazer uma casa
e de plantar uma goiabeira...”

E já sentia na boca
o caldo das melancias com cheiro de terra
e o gosto matutino das goiabas...

Cassiano Ricardo

  • Instagram - Black Circle
  • Facebook - Black Circle
  • Twitter - Black Circle
© 2016 - Criado pelo 2º ano de Informática da Fundação Matias Machline
bottom of page