


MUIRAQUITÃ

"Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Os Sapos.”-Manuel Bandeira
O poema “Os Sapos” foi escrito por Manuel Bandeira em 1918, mas ganhou importância quando foi lido durante a segunda noite da Semana de Arte Moderna, em 15 de fevereiro de 1922. Neste poema, Manuel Bandeira faz, com sarcasmo (e uma boa dose de humor) uma crítica aos parnasianos. O Modernismo, movimento do qual o autor participava, era de forte oposição a essa escola, já que eles acreditavam que eles estavam atrasando o progresso da Literatura Brasileira, ao continuar na mesmice e na formalidade de sempre.
Antes de iniciar a análise propriamente dita, observe que o poema de Manuel Bandeira é pentassílabo em redondilhas menores. Este estilo de poesia é o mais simples que há, a forma mais simples de compor as sílabas poéticas; atente para este fato, é um detalhe curioso que retomaremos lá na frente.
Na primeira estrofe, vemos os sapos (que representam os poetas parnasianos) saindo das sombras para a luz, que os deslumbra. Ou seja, os parnasianos saíram da obscuridade para a fama.
Depois, na segunda estrofe, temos uma onomatopeia que faz alusão ao coaxar dos sapos, que seria a repetição do “Foi!” e “Não foi!”. Já na terceira estrofe, Manuel Bandeira decide fazer uma leve crítica à “arte perfeita” dos parnasianos. Leve, ha…
Na quarta estrofe, vemos que ele já abandona a ironia para falar de forma um pouquinho (só um pouquinho) mais direta, zombando do cuidado com que estes poetas faziam suas rimas; “e nunca rimo
os termos cognatos”. Termos cognatos são aqueles em que as palavras possuem classe gramatical igual. Os parnasianos evitavam fazer essas rimas, porque não são rimas ricas.
A quinta, sexta e a sétima continuam a zoar (sim, a zoar, passou do limite de crítica) o estilo de escrita parnasiano. (Quase consigo ouvir os poetas rangendo os dentes ao ler esse poema.)
As estrofes nove e dez também fazem crítica direta dessa vez não ao estilo, mas sim às bases do parnasianismo.
Interessante é a 11ª estrofe, onde ele afirma que o sapo pipa, (que também é um parnasiano bandidjo, está claro) mal em si cabe. Podemos perceber que ele se refere ao orgulho dos poetas, que se inflam, mas o interessante é observar que Manuel Bandeira decidiu expor a obra ao público, que ainda apoiava os parnasianos, durante o segundo dia da Semana de Arte Moderna, mesmo sabendo de toda a confusão que ocorrera na noite anterior.
Por fim, nas últimas três estrofes, ele se refere a um determinado sapo cururu, que, com uma obra simples e sem aspirar à fama, está isolado à beira do rio, sem ter o reconhecimento do povo.
E então eu lhe pergunto: Quem seria o sapo cururu, que simples e desconhecido, repousa na beira do rio, isolado pelos outros sapos?
Lembre se de que a obra desse sapo é simples, como já havíamos mencionado antes, em algum lugar...