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            Há três anos viveu na Vila Verde o seu Almir. Depois de tanto tempo alguém novo começou a habitar o lugar, isso fez com que a maioria das pessoas estranhassem a presença do moço. Às vezes quando chegava tarde do trabalho, algumas pessoas pensavam que era alguém invadindo o condomínio, mas depois de uns meses acabaram se acostumando com essa mania do vizinho.

            Logo quando chegou, a primeira impressão que tive foi dele ser um daqueles vizinhos chatos, que só vive de mau humor e não quer falar com ninguém. Na verdade, a maioria dos inquilinos pensava assim, o que a princípio não deixou de ser verdade. Falava pouco com os vizinhos, raramente o viam fora de casa, e quando viam, era apenas saindo para algum lugar ou voltando do trabalho quando resolvia chegar “cedo”. Os lugares pelos quais passava resumia-se em casa, trabalho e rua, bem, eu acho. Aliás, a primeira vez que vi seu Almir chegando do trabalho, ele vestia uma roupa toda cinza, estava com umas manchas pretas e as mãos pareciam machucadas. Isso me deu a certeza de que ele trabalhava em alguma indústria, provavelmente alguma do Distrito.

            Algumas semanas depois da chegada do novo vizinho, meu pai e eu encontramos Dona Márcia. Ela era uma espécie de informante; sabia de tudo que acontecia na vila, nada anormal para uma pessoa que vive disso. Ao vê-la, papai foi logo perguntando curiosamente:

           -Boa tarde Dona Márcia. E então, alguma novidade?

           -Bem, ontem à tarde eu descobri que seu Almir era casado e tem duas filhas, mas se mudaram para Belém. Parece que ela processou o marido por ele a ter agredido um dia. Hoje ele é obrigado a pagar pensão. Descobri até mesmo que havia sido preso por ter deixado de enviar os dois últimos meses. Parece que foi solto mês passado.

           -Mas como ele conseguiu vir para cá? Quer dizer, aqui não é tão caro, mas ultimamente a taxa está aumentando demais. Por que ele escolheu morar aqui? – Perguntou meu pai.

           -Também não sei. Talvez ele queria ficar próximo de alguém.

           - Também acho. Mas o que seria? – Dona Márcia perguntou a si mesma.

           -Isso é intrigante. Enfim, tenho de deixar meu filho na escola. Comentamos sobre isso depois.

           -Tudo bem. Até mais!

           Nunca soube o conteúdo dessa conversa, mas não importa mesmo, então tudo bem. Houve um dia em que seu Almir chegou muito tarde. O assunto foi predominante nas conversas do dia seguinte.

           - Ei, você sabe que horas seu Almir chegou ontem?

           -Eu ouvi que foi perto de uma hora da madrugada.

           -Meu Deus! O que ele fazia essa hora da noite?

           -Só Deus sabe.

           No dia seguinte, estava eu jogando futebol com meus amigos na quadra da vila, quando um dos meninos chutou a bola e ela saiu da quadra. Seu Almir passava perto de onde a bola parou e ao vê-la pegou e devolveu-a e sorriu para nós. Ficamos nos entreolhando por alguns segundos estranhando a situação - não era todo dia que um vizinho estranho devolve uma bola para nós -,até que nos lembramos de nosso jogo e voltamos a jogar.

           A partir desse dia, via seu Almir todo dia. Até comecei a falar com o moço; na verdade a grande maioria da vila começou a se aproximar do homem. Era uma pessoa muito gentil e amigável e com isso conquistou toda a vila pouco tempo depois.

           Era comum ver seu Almir cumprimentando várias pessoas que saíam no mesmo horário que ele. Ninguém soube explicar o porquê dessa mudança repentina. Fato é que todos haviam se enganado quanto à personalidade do moço.

           Semana seguinte à mudança repentina de seu Almir, voltava eu da escola quando vi um carro preto parado na rua oposta ao do condomínio. A princípio não desconfiei, mas horas depois, vi seu Almir conversando com alguém dentro do carro. Fiquei bastante curioso, pois seu Almir não recebia nenhuma visita e os únicos parentes de que ouvimos falar eram a mulher e as filhas.

           Quase dez minutos depois, o automóvel saiu em alta velocidade. Quando o vi entrando na vila, apareceu com uma cara meio preocupada, mas ao notar minha presença, voltou a sorrir. Conversei com ele sobre escola, trabalho e futebol; o de sempre. Não me atrevi a perguntar sobre sua família ou seu passado pois algumas pessoas já fizeram e respondia sempre a mesma coisa:

           - Ah desculpa, preciso ir, a gente fala sobre isso depois – e só o víamos dois dias depois.

           Um mês depois, era o aniversário de seu Almir; resolvi fazer uma surpresa, mas ao chegar em sua casa, eu fui o surpreendido: o moço estava caído, com uma faca bem ao lado, com uma poça de sangue cobrindo seu corpo. Não aguentei ver essa cena, saí rapidamente e fui chamar meu pai. Ele imediatamente chamou uma ambulância e a polícia. Todos na vila estavam desesperados. Quem poderia ter cometido tanta atrocidade a um moço tão bom? Enquanto a ambulância chegava, pensei no carro preto do mês passado. Tinha certeza de que eles estavam envolvidos nisso. Não contei a ninguém sobre pois não fazia a mínima ideia de quem estava dentro do veículo e supus que haviam me visto.

           Dia seguinte foi o velório. Não havia tanta gente; metade era da vila. Havia também amigos e familiares. Foi um velório normal, apesar de eu não ser acostumado a ver um. Notei uma mulher com duas crianças ao lado. Certeza de que eram a mulher e as filhas do finado.

           Pouco tempo depois, meu pai se aproximou da mulher e começou a falar com ela. Como estava longe, aproximei-me aos poucos para ouvir. Como falavam um pouco baixo, principalmente a mulher, tive dificuldade para ouvir parte da conversa. No entanto, descobri que seu Almir era muito depressivo. Sua mulher foi para Belém com os filhos, pois sua mãe estava quase para morrer e queria ver a filha e os netos. Seu Almir não pode ir pois não havia dinheiro o suficiente para pagar a passagem de todos. Ele acabou desempregado e depois preso por ter se envolvido em uma confusão com o dono de um mercadinho.

           Quando foi solto, arranjou um emprego em uma indústria do Distrito e começou a fazer curso de Mecânica no Senai. Como estava com nome sujo, seu Almir teve que emprestar dinheiro com agiotas, provavelmente os caras que estavam no carro preto mês passado. Entretanto, a ameaça crescente deles, as contas cada vez maiores e a saudade da mulher e das filhas foram demais para a cabeça de um depressivo, o que levou ao suicídio.

           Faz quase três anos de sua morte e lembro-me bem do homem mais intrigante que conheci na minha vida, que soube esconder algo tão importante até mesmo de D. Márcia. Será que alguém depressivo consegue enganar tão bem as pessoas, ou foi só seu Almir?

Meu novo vizinho

Jackson Fernandes
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