


MUIRAQUITÃ

Débora Moraes
O Garoto do Ônibus
Eu o vejo todos os dias. No mesmo lugar, no ônibus. Nunca chegamos a dialogar. Mas me chama a atenção seu jeito triste de olhar, um olhar amargo. Sempre cabisbaixo. Sempre com uma postura cansada. Sempre com um livro na mão. Sempre com um lápis e papel de rascunho. Sempre com um fone nos ouvidos. Nunca sorri. Nunca conversa com ninguém. Não tem amigos. Pelo menos é o que eu percebo nos quarenta e cinco minutos de viagem todos os dias no ônibus.
Talvez o rapaz não se sinta triste ou nem se sinta cansado. Talvez não goste de falar nem sorrir logo após acordar. Talvez ele seja muito feliz, feliz até demais. Talvez tenha vários amigos que nem consiga contar na palma das mãos. Talvez só odeie essa rotina de pegar ônibus todos os dias. Mas meus olhos só o veem como um garoto solitário, e isso me deixa mal. Faz-me lembrar que já estive naquele lugar.
O rapaz ouve músicas para se sentir humano. Talvez daí que vem essa sua solidão: da rejeição de ser pobre e negro, da penúria, do medo de não ser alguém, do pavor de continuar a ser reprimido. Deve ser por isso que sempre está a busca de conhecimento. Deve ser por isso que não larga o livro, quem dirá o lápis e a folha de cálculo.
O garoto não ouve as vozes do mundo. Daqueles que se importam. Daqueles que querem ajudar. Talvez o rapaz só escute músicas alegres para esquecer os fatos que o impedem de ser feliz. Ou só queria ignorar a realidade em que se encontra.
Talvez o rapaz seja eu. Seja meu passado que me assombra todos os dias. Seja a barreira que falta para eu prosseguir livremente.
O rapaz continua triste, com o livro na mão e fone nos ouvidos. De repente, levanta a cabeça. Olha para fora do ônibus. Começa a observar ao seu redor. Dá a impressão de que acabou de acordar. De que começou a ouvir as vozes que tanto o querem ajudar. Sinto uma alegria que não há com explicar. Logo depois, o rapaz abaixa a cabeça e volta ao seu mundo, lastimoso... Que pena eu sinto! Então, chega minha hora de partir a caminho do trabalho. A tristeza nos acompanha. Não há despedidas. Nós nos encontraremos no próximo dia, na esperança de que haja mudanças. Nunca é um adeus.