


MUIRAQUITÃ

Resenha do livro "A Cinza das Horas" de Manuel Bandeira
Micael Davi
Sobre:
Manuel Bandeira mesmo sendo representante do modernismo no Brasil, apresenta em “A cinza das horas” características decadentistas e musicais o que remonta diretamente ao simbolismo. Esta obra foi publicada no ano de 1917, sendo seu primeiro livro de grande expressividade. Mesmo acometido por uma grave doença, a tuberculose, busca algo novo, já que valoriza o estado da alma, do inconsciente e figuras de linguagem como a sinestesia e a aliteração.
Apesar de diversas características pós-simbolistas apresenta em diversos momentos versos brancos e irônicos, os quais estão primordialmente presentes em obras modernistas. No início, o autor não tinha a intenção de começar a carreira literária. Isso pode ser constatado na forma de como o eu-lírico vivencia a história, já que o mesmo retrata diversas vezes o ato de morrer à medida que descreve sua agonia nos versos dos poemas presentes na obra.
Resenha:
O poema intitulado “Epígrafe” apresenta a diferença entre o confessional e o artístico, sendo ainda hoje confusa para muitas pessoas. Além disso, expõe suas inúmeras razões pelas quais está escrevendo a obra, já que enaltece que publicou o livro sem a intenção se seguir na carreira literárias, mas apenas “para se dar a ilusão de não viver inteiramente ocioso”.
No segundo poema do livro, chamado de “Desencanto” apresenta um sentimento de amargura e tristeza, já que durante a produção desta obra estava tolhido por uma grave doença, a tuberculose. O autor ainda termina pior, já que no início escrevia como uma pessoa que lamenta, mas no final retrata a visão de uma pessoa que está prestes a morrer.
O poema “Paisagem Noturna” é altamente descritivo, apresentando uma temática mística, já que em diversos versos relata o medo da noite e de seus ruídos diante um homem isolado. A única interferência no medo da noite presente neste poema vem quando a mesma está ligada à natureza, a Lua. Retratando-se assim uma lua humanizada, companheira dos poetas. É neste momento que percebe--se também a única interferência religiosa presente no livro, remetendo a uma imagem de referência católica: “Como uma hóstia de luz erguida no horizonte”.
No poema “Versos escritos n’água” lê-se versos onde o poeta deseja transmitir uma mensagem ao leitor, ou seja, avisar que “aqueles versos anteriores eram outros, e estes são no lugar daqueles”, deixando ao leitor a capacidade de imaginar como estes serão. No final deste poema, explica o motivo de ter trocado aqueles versos por estes: “por eles, sua musa não se interessou” e “Quem os ouviu não os amou”.
O soneto “Inscrição” retrata o mito da mulher bonita e desejada, que muitas vezes por viver intensamente a vida acaba morrendo muito jovem. Acredita-se que este soneto é uma homenagem dele em relação à coragem das pessoas que decidem trocar a longevidade pela intensidade.
No poema “Plenitude” apresenta-se o entusiasmo, um sentimento raramente encontrado nesta obra, já que Manuel Bandeira posiciona-se na maioria das vezes triste, descrente e cético. Neste poema, fica nítido o real propósito desta obra, ou seja, o papel de ser autobiográfica e não um mero exercício artístico. O espírito de entusiasmo pode ser percebido através de uma intertextualidade com a bíblia no seguinte verso: “Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude – Belo como Davi, forte como Golias...”
No último poema do livro, intitulado de “Natal” apresenta um natal específico, o qual foi passado com uma mulher, com quem teve relações carnais, conforme sugerido nos dois últimos versos. No entanto, traz agora na memória um sentido de saudade e amizade perante àquela mulher, o que pode ser constatado no seguinte verso: “Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos!...”. No final, reafirma a carnalidade que houve na relação, pois ao desejar que sua ternura se torne pura, indica que no passado foi impura. O autor enaltece essa transformação de impureza em pureza através de uma referência à bíblia: “Como aquela fervente e benfazeja luz Que Madalena viu nos olhos de Jesus...”.